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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Fim de Jogo

* Sargento Nivaldo de Carvalho Júnior

O sistema de segurança pública assemelha-se a um campeonato de futebol. Ambos envolvem bastante dinheiro, geram muita repercussão na mídia, constituem motivos de fervorosas discussões cotidianas e são examinados por meio de demasiadas estatísticas. Por isso, faço uma análise metafórica sobre esses temas.

Os nossos estádios (comunidades) são bastante precários, mas palco de grandes espetáculos(crimes e prisões). Nosso campeonato tem vários times(Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Agentes Penitenciários, Guardas-Municipais, baderneiros, trombadinhas, bandidos pé-de-chinelo, traficantes, assaltantes, corja do colarinho branco etc) os quais disputam ferrenhamente jogos memoráveis.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Caso Aglomerado da Serra

Desde ontem que estou com uma sensação estranha, um mal-estar. Nada tem graça. Há um nó na garganta. Queria dizer muita coisa, muitas verdades, desabafar... Sim, estou consternado e revoltado, como muitos companheiros também estão, com a morte do Cabo Fábio de Oliveira dentro de uma jaula cela, após ele, sua guarnição, o batalhão que pertencia e a corporação serem execrados, massacrados, linchados pela mídia; após ele e sua equipe serem condenados antecipadamente, inclusive por uma autoridade que, por questões da legislação militar, não posso sequer criticar.

Nos ensinam a respeitar os direitos humanos, que não cabe a nós fazer julgamentos, sendo nossa competência apenas prender o cidadão e tomar as medidas legais. Mas há um paradoxo muito estranho, porque nos julgam e nos condenam antecipadamente, inclusive autoridades que deveriam ter o devido equilíbrio e, no cargo que ocupam, dar o exemplo. Às vezes até me faço a seguinte pergunta: Os policiais têm direitos humanos?

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Revendo os conceitos

A cidadã Ana Cristina me enviou, através do formulário de contato, o texto abaixo. Peço aos policiais militares do Rio de Janeiro que o encaminhe ao Sr. Cmt do 18º BPM/PMERJ ou até mesmo ao Comandante-Geral.

Meu nome é Ana Cristina e fui a vítima de uma assalto que está saindo nos jornais de hoje (Pálio prata roubado na Araguaia). Gostaria de, se possível, levar pessoalmente ao conhecimento do comandante do 18º Batalhão da Polícia Militar que, na data de 18 de outubro de 2010, por volta das 17h30, fui vítima de ação criminosa de bandidos que me abordaram na Rua Araguaia, próximo ao Frutas da Freguesia, com o carro em movimento, sob ameaça de morte.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Dez minutos para viver

* Roberto Kusiak

Temporal anunciado no serviço de meteorologia. Mais uma noite chuvosa e sonolenta de serviço. Talvez um acidente para atender e mais nada. Era sempre assim. Estávamos um pouco desanimados. Gostávamos de noites agitadas, de correria, de perseguição à vagabundos, de prisões. Gostávamos de ser polícia, eu e meu parceiro. Dois veteranos, quase vinte anos de serviço. Corações já endurecidos ao longo dos anos. Não sentíamos pena de vagabundo, muito pelo contrário, sentíamos sim, uma vontade de mandá-los para o outro lado, de limpar a cidade. Não importava quanto sangue o vagabundo derramava. Como disse, nossos corações estavam muito bem guarnecidos por uma crosta intransponível de quase vinte anos de crimes, de sangue, de choros, gritos, tiros.

Paramos a viatura embaixo de um galpão da RFFSA para tomarmos um gole de café que eu sempre tinha comigo na viatura. Aproveitamos para desembaçar os vidros e esticar as pernas. Pelo rádio ouvimos a central despachar outra viatura para atender a um acidente na rodovia, grave, segundo o rádio-operador.

domingo, 20 de junho de 2010

Angústia Cotidiana

* Nivaldo de Carvalho Júnior

Dias atrás me encontrei com o amigo José Ricardo (Sgt Monteiro), idealizador do Universo Policial, ocasião em que ele perguntou por que motivo eu não estava enviando mais textos para publicação neste blog. Com muita sinceridade, respondi que havia duas justificativas: falta de tempo (ando dividido entre atenção à família, trabalho operacional, encargos administrativos, faculdade etc) e falta de assunto (já que não participo mais de ocorrências policiais complexas como outrora).

No decorrer da conversa, falamos de assuntos corriqueiros relacionados à atividade policial, e o nobre companheiro, com sua inteligência singular, disse: "olha que tema bom para uma crônica." Neste instante, percebi que a correria do dia-a-dia estava me afastando daquilo que gosto: pensar e escrever.

Pois bem, decidi abordar fatos simples que presenciei, os quais demonstram claramente a angústia cotidiana que acomete as famílias brasileiras. Assim, resumo três ocorrências policiais atendidas por minha equipe.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Motopatrulhamento - Adrenalina sobre duas rodas

Autor: * Diego Magalhães

Dentre as várias modalidades de patrulhamento, a patrulha com motocicletas talvez seja a mais emocionante. A destreza necessária para o atendimento de ocorrências em cima de uma moto ascende a adrenalina a cada aceleração do motor.

Ficar sob o sol (apenas os braços e a cabeça se bronzeiam) é apenas um detalhe, que não desmotiva o motociclista. É impossível ficar à sombra com uma motocicleta. O patrulhamento é um lazer, uma necessidade sobre duas rodas.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Como policial militar, eu já fui quase tudo...

Autor: * Tião Ferreira

Como policial militar, enfrentei o maior choque cultural da minha vida, ao ter de argumentar com todo tipo de pessoas, do mendigo ao magistrado, entrar em todo tipo de ambiente, do meretrício ao monastério.

Como policial militar, fui parteiro, quando não dava tempo de levar as grávidas ao hospital, na madrugada.

Como policial militar, fui psicólogo, quando um colega discutia com a esposa, diante da incompreensão dela, às vezes, com a profissão do marido.

domingo, 30 de agosto de 2009

A arte de errar

O dia 05 de outubro marcou o meu retorno à atividade operacional na Polícia Militar. Depois de passar 08 meses na área administrativa da corporação, voltei a exercer a principal missão de um miliciano, que é garantir a paz social. (Tomo a liberdade de fazer um aparte nesta crônica para registrar minha indignação, porque os termos “milícia” e “miliciano” estão sendo empregados indiscriminadamente para designar grupos armados que subjugam comunidades carentes, vendendo-lhes a segurança que compete ao poder público. Embora alguns policiais façam parte desses grupos de criminosos, não se pode chamar um bando que age à margem de lei de milícia, tampouco seus integrantes de milicianos. Na verdadeira acepção da palavra, milícia significa uma corporação sujeita à organização e disciplina militares. Logo, me orgulho de ser um miliciano).

Hei de reconhecer que minha breve passagem pelo serviço policial burocrático rendeu-me experiências úteis, as quais me fazem valorizar ainda mais o trabalho dos companheiros que preferem exercer a função administrativa a exporem-se aos riscos do combate aos criminosos.

O soldado ateu

Já estávamos no fim de mais uma jornada de trabalho. Passava-se das vinte e três horas de uma monótona segunda-feira, dia geralmente tranquilo no que tange à criminalidade violenta, cujo combate era nosso principal mister. Patrulhávamos o Bairro Nova Pampulha, numa região conhecida como “mangue seco”. Tal denominação não foi escolhida por acaso. As ruas do local eram todas de terra; parte delas intransitáveis, devido a enormes crateras provocadas pela voracidade das águas pluviais. Os lotes lindeiros lembravam a vegetação da caatinga. As residências eram construídas precariamente, a maioria delas não possuía reboco, o que contribuía para o aspecto desértico do local.

Neste cenário nada inspirador, ocorreu uma situação cômica, envolvendo uma guarnição do GIEAR (Grupo de Intervenção Estratégica em Áreas de Risco); mais precisamente aquela estava sob meu comando. Quando descíamos a rua vinte e cinco, uma das poucas que era possível percorrer embarcado na viatura, deparamos com um sujeito franzino, alto, moreno escuro (não é eufemismo, ele realmente não era negro), trajando roupas simples e empurrando uma bicicleta, a qual era tão velha que só servia mesmo pra empurrar.

Bastidores de uma ação policial

Sabe qual é a sensação de participar de uma ação policial bem sucedida? É a mesma de um orgasmo. É isso mesmo. É gostoso demais. O corpo libera doses descomunais de dopamina, adrenalina, ina, ina... É tão gostoso que até vicia. Eu fico imaginando o que sentiram os militares do 36º BPM quando participaram da gigantesca apreensão de armas e drogas em Capim Branco. Eu não estava lá; fiquei sabendo de manhã cedo. Encontrei com o Senhor Sargento Félix e demais militares do Pelotão de Recobrimento Tático todos sujos de barro, já na hora do almoço. Creio que eles ficaram a madrugada e toda a manhã empenhados na ocorrência. Em situações como essa, parece que o corpo nem sente o cansaço. Se eu estivesse lá, eu teria comemorado efusivamente. Euforia pura.

sábado, 15 de agosto de 2009

Díficil decisão

O trabalho de um policial é extremamente difícil. Implica executar suas atividades sob intensa pressão, expor a risco a própria vida e tomar decisões que podem influenciar profundamente a vida das pessoas.

Aprendi esta assertiva quando ainda frequentava as salas de aula da Academia da Polícia Militar, nos idos anos de 2002 e 2003, época em que eu não tinha certeza se esta era a profissão que gostaria de exercer durante trinta anos da minha vida. Hoje já não tenho mais essa dúvida, pois gosto muito do serviço policial.

A cada jornada de trabalho, constato que as dificuldades ora mencionadas são verdadeiras e, além disso, mexem muito com o meu estado psicológico. Trabalhar sob pressão e ver a morte de perto diariamente já não me abalam muito. Por outro lado, as decisões que tenho que tomar constitui a parte mais complicada da minha profissão. Como exemplo disso, devo relatar um fato ocorrido com uma guarnição que estava sob meu comando.

No dia 05 de junho de 2006, estávamos realizando uma operação policial na entrada do bairro Morro Alto, quando abordamos um ônibus. Na ocasião, um dos passageiros foi preso porque usava um documento falso para isentar-se do pagamento da passagem. O motorista e o trocador do coletivo foram arrolados como testemunhas do fato e em seguida foram liberados para continuar a viagem.

Para minha surpresa, ao cadastrar a ocorrência no sistema informatizado, constatei que havia um mandado de prisão em desfavor de uma das testemunhas, o motorista, com base no artigo 121 do Código Penal Brasileiro (homicídio). Tal fato causou-me espanto, porque eu sabia que o motorista trabalhava na empresa havia muitos anos e até então ele gozava de boa credibilidade.

No entanto, o mínimo que eu deveria fazer como responsável pela aplicação da lei era questionar o cidadão sobre a acusação a ele imposta. Desloquei minha guarnição até a empresa onde ele trabalhava e esperamos o retorno do ônibus coletivo. Deparamos com um senhor de fala mansa, fisionomia pacata, vestido com o seu uniforme de trabalho. Ao ser perguntado sobre o mandado de prisão, ele negou veementemente ter motivos para tal, todavia seu olhar denunciava a mentira. Cogitou haver perdido seus documentos e possivelmente alguém tê-los usado para incriminá-lo. Assim, o convidei a me acompanhar até a delegacia para esclarecer a situação, alertando-o para o risco de ele ser preso em circunstância piores.

No trajeto para a delegacia, tratamos o motorista com seriedade e respeito. Por esse motivo, angariamos a sua confiança. Ele relatou-nos que há vinte anos havia sido acusado de ter assassinado um pistoleiro no Estado do Mato Grosso; que foi ouvido pelo delegado naquela época e liberado porque não havia provas contra ele. O suspeito nos afirmou também que resolveu deixar o Estado porque estava sendo ameaçado por parentes da vítima.

Perguntei se ele realmente havia matado o pistoleiro e o suspeito negou novamente, acrescentando que sempre foi trabalhador e desde que veio para Vespasiano labutava na mesma empresa e morava no mesmo endereço com a esposa e a filha deles.

Foi neste instante é que me vi diante daquilo que considero mais difícil na vida de um policial: tomar uma decisão que influenciaria profundamente a vida de uma pessoa. Evidentemente que pelo aspecto da legalidade eu deveria prendê-lo sem pestanejar, afinal havia um ordem judicial para tanto. Mas, por outro lado, num país onde impera a impunidade, onde ladrões de colarinho branco, traficantes de drogas e assassinos contumazes andam livremente pelas ruas porque conseguem driblar facilmente nosso arcaico sistema de persecução criminal, colocar aquele reconhecido trabalhador numa cadeia poderia significar um ato incoerente, considerando que ele estivesse falando a verdade sobre sua inocência.

De um lado, uma ordem judicial, do outro, a fala de um trabalhador. Pensei em liberar o motorista e orientá-lo a procurar um advogado para resolver a pendência na justiça. Resolvi não tomar a decisão sozinho, embora fosse minha competência.

Dada a palavra aos meus companheiros, fiquei ainda mais confuso. O Soldado Felipe entendia que deveríamos cumprir o mandado, sustentando: “afinal quem nos garante que esse homem é mesmo inocente”. Já o Cabo Araújo achou que era melhor “dar um boi” para o motorista, dizendo-me que sua experiência profissional o fazia acreditar na inocência dele.

Diante do impasse, reportei-me aos ordenamentos jurídicos e lembrei-me que o mandado de prisão preventiva não se extingue enquanto não for cumprido. Assim, mais cedo ou mais tarde, aquele senhor seria preso e talvez não recebesse o mesmo tratamento que estávamos lhe dando. Resolvi então cumprir o mandado e mostrar ao preso o que ele deveria fazer para esclarecer os fatos.

Já na Delegacia, apareceu uma senhora acompanhada de uma menina. Tratava-se, respectivamente, de esposa e filha do suspeito. Educadamente a senhora me pediu para conversar com o marido. A menina, já no colo de seu pai, me olhou com rancor. Parecia que ela já sabia o que iria acontecer com seu genitor e que eu era o responsável por ele estar ali. Escutei aquela senhora dizer: “Isso aconteceria a qualquer momento, meu amor”. Percebi que tudo que tínhamos conhecimento até aquele momento era verdade, com exceção das circunstâncias em que ocorreu o crime no qual aquele cidadão figurava como acusado.

A presença dos familiares do motorista na delegacia em consonância com emprego lícito que ele desempenhava realçaram minhas dúvidas acerca da decisão que adotei, o que foi desmistificado quando nós saíamos da delegacia e a esposa do detento me disse a seguinte frase: “ Obrigado, meu filho, por não ter judiado dele. Vai com Deus e que o Senhor Jesus abençoe o seu trabalho”. Tais palavras me mostraram que eu fui justo, como deve ser todo policial, porque apenas executei minha função e em momento algum tirei a dignidade daquele homem.

No retorno ao patrulhamento, o clima dentro da viatura não era de euforia, como ocorre quando prendemos um “vagabundo nato”. Ao comentarmos o caso do motorista, o Soldado Felipe disse que nada nesta vida acontece por acaso. Eu também acredito nisso.

Que seja feita a justiça; se não for a dos homens, que seja a divina.

Fim

Autor: Nivaldo de Carvalho Júnior, 3º Sgt PM - obra escrita em 08/06/2006

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Infância perdida

Eram 23 horas e 15 minutos da noite de sábado, 06 de maio de 2006. Patrulhávamos pelo bairro Nova Pampulha; na época, o mais perigoso da área de atuação do GIEAR (Grupo de Intervenção Estratégica em Área de Risco). Naquele lugar, naquele dia da semana e naquele horário estávamos mentalmente preparados para o pior – troca de tiros, homicídios, traficantes em fuga rumo aos becos estratégicos que ali existem, crianças e adolescentes usando entorpecentes, etc. Entretanto, o que aconteceu foi bem mais simples, mas não menos grave. Quando descíamos a rua dezoito, local onde é comum o confronto armado entre policiais e criminosos, uma mulher apareceu no meio da via. Os braços estendidos para o alto, sacudindo de um lado para o outro demonstravam desespero. A primeira ideia que nos vem à cabeça não poderia ser outra: mataram alguém. Entramos em estado de alerta. Todos com arma em punho. Os dedos indicadores coçavam o gatilho. Um simples estampido provocaria uma saraivada de tiros na direção do estrondo. Felizmente, nada disso ocorreu.

A aparência da mulher denunciava a vida sofrida que levara. A conversa arrastada e o hálito etílico que nos entorpecia deixava claro o estado de embriaguez. Em prantos, essa senhora nos pediu para buscar sua netinha de quatro anos que estaria sendo espancada pelo próprio pai da criança. Apesar da agressividade com a qual a mulher nos tratava, ficamos sensibilizados com a possibilidade dos fatos serem verdadeiros e decidimos verificar a situação.

Um beco estreito, íngreme, com degraus intermináveis, onde não se enxergava um palmo à sua frente. Este foi o local indicado pela senhora para buscarmos a criança. O Cabo Araújo (policial astuto, do tipo “vibrador”, que muitos colegas chamam de “bitolado”, aquele sujeito que suspeita de tudo e de todos) logo diz : - ô zim, isso é casinha de caboclo!

Para os desavisados “zim” é como chamamos uns aos outros dentro da favela para evitar falar nossos nomes, e “casinha de caboclo” é quando os vagabundos armam uma cilada para os policiais. A suspeita do Cabo Araújo era pertinente, mas o comandante da guarnição, Aspirante Martins, decidiu subir o beco. Eu permaneci na entrada, próximo à viatura policial, para monitorar a entrada no local e chamar reforço, caso fosse necessário. Em poucos instantes, a senhora desceu, já com a criança no colo. A menina era linda: rosto redondo, olhar meigo, cabelos lisos e negros, parecia uma índia. Seu nome era Isabela. Não havia nome mais apropriado, era realmente “bela”. No seu corpo franzino, não havia sinais de agressão. Perguntei-lhe se alguém a havia agredido. Os olhos daquele anjinho se encheram de lágrimas e ela respondeu que sim. Disse que seu próprio pai havia lhe batido, que sua mãe também lhe batia, que sua avó também lhe batia, mas que mesmo assim gostava de todos eles. Perguntei a ela com quem gostaria de ficar. Como uma inocência singular ela respondeu: com mamãe.

Meus colegas retornaram e disseram que o pai de Isabela estava drogado, em companhia de outros dependentes químicos. O barraco onde estavam parecia um chiqueiro. A criança brincava em meio à imundice do local. O pai insistia em ficar com a menina, alegando que sua ex-mulher era uma “puta” e a mãe desta uma “bebum”.

Chegamos à conclusão que não deveríamos deixar a criança nem com o pai (drogado) e tampouco com a avó (bêbada). Saímos, então, à procura da mãe de Isabela, seguindo as dicas da senhora que nos abordou.

- “Olha ela ali”, disse a avó, apontando para um boteco nefasto localizado na Rua Dezenove, ponto de encontro de viciados em drogas, assaltantes, homicidas e demais criminosos que compunham a escória da sociedade local.

Chamamos a mãe da menina. Ela relutou em nos obedecer, até ver que sua mãe e sua filha estavam dentro da viatura. Ao se aproximar aquela jovem, que parecia ainda estar iniciando a sua adolescência, percebi o quanto seria difícil solucionar aquela ocorrência.

A jovem transpirava rebeldia, dizia aos berros: “mãe, o que você está fazendo no carro da polícia com a minha filha”. O nosso comandante tentou explicar a situação, mas de nada adiantou. De tanto gritar, a jovem conseguiu tirar o Aspirante Martins do sério. Em um só gesto, ele puxou a jovem mãe pela gola da camisa e disse que ela devia nos agradecer por termos lhe trazido sua filha. A resposta da jovem não poderia ser mais revoltante: - “E quem disse que eu quero essa porra de menina agora, não vê que eu tô namorando.” Nesse momento, a moça sentiu a gola da camisa apertar seu pescoço. Isso foi a materialização da ira do nosso comandante. Com a voz já distorcida, ela desafiou: “Bate, sô puliça, bate até me matar seu covarde, é só isso que vocês sabem fazer mesmo”.

O comandante determinou: “abra o xadrez, vamos levar esta folgada pra delegacia”. Nesse momento, intervi: “É bobagem, chefe, não compensa. O problema mais grave, que é com quem ficará a menina, não será resolvido". Pensamos em acionar o Conselho Tutelar, mas, devido a experiências anteriores, desistimos. Nesses casos o conselheiro de plantão não vem, ou, se comparece, não resolve nada.

De súbito, veio em minha mente um velho ditado popular: “Deus, me dê coragem para modificar as coisas que posso, humildade para aceitar as que não posso e sabedoria para distinguir umas das outras”.

E assim convenci o comandante da guarnição a adotar a seguinte solução: dentre o pai drogado, a mãe vadia e a avó alcoólatra, naquele momento a criança deveria ficar com quem teve pelo menos a hombridade de nos pedir socorro.

O que me deixou muito triste foi pensar no que se transformará aquela princesinha chamada Isabela daqui a alguns anos...

Fim

Autor: Nivaldo de Carvalho Júnior, 3º Sgt PM - obra escrita em 07/05/2006

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Vídeo dos policiais sendo agredidos: o que temos a aprender?

Estava dando uma olhada no Orkut a respeito do vídeo que mostra policiais mineiros sendo agredidos e o que eu mais vi foram críticas e mais críticas ofensivas aos policiais. Devemos, sim, criticar, mas a crítica deve ser construtiva, com vistas a tirarmos algumas conclusões sobre o fato, a fim de evitarmos que situações dessa natureza continuem a acontecer. Mesmo com os erros, com as derrotas, sempre temos algo a aprender. Vamos conversar sobre o assunto?

Eu já passei por situações semelhantes, em que quase fui agredido. Existem situações que surgem inesperadamente, do nada. Certa vez, depois de atendermos uma ocorrência, quando passamos defronte a um bar situado numa favelinha, vimos um indivíduo entregando uma bucha de maconha para outro frequentador do estabelecimento. Naquele ímpeto, decidimos abordar os indivíduos. Só que, confesso, agimos totalmente errado. Era apenas eu e meu patrulheiro, numa zona quente de criminalidade, grande quantidade de becos e vielas nas imediações... só poderia dar “merda”. Agimos pelo impulso. Não fomos técnicos nem profissionais. O que aconteceu foi que ambos os indivíduos reagiram à abordagem, frequentadores do bar e transeuntes nos cercaram. Não sei de onde saiu tanta gente. Ficamos cercados, no meio do pequeno aglomerado, tentado algemar e colocar na viatura os dois indivíduos, enquanto tínhamos que afastar os demais circunstantes que tentavam os libertar. Graças à Deus, não era no interior do Estado e o reforço chegou rápido, embora para mim e para meu patrulheiro tenha parecido uma eternidade. Confesso que errei, como errei outras vezes, desprezando as técnicas e a supremacia de força. Mas a gente aprende é com os erros, razão pela qual o que aconteceu com os policias que foram agredidos também nos servem de lição. Como sempre diz o Senhor Sargento Félix, “tolo é aquele que não aprende com os erros dos outros”.

O vídeo que vi somente mostra os policiais já em luta corporal contra um grande número de pessoas. Não sei o que aconteceu antes. Como disse, tem situações que surgem do nada. Talvez tenha acontecido isso. Quando eles perceberam, já estavam em dificuldade e em desvantagem numérica. E aí vem a pergunta: o que eles poderiam ter feito?

Sentado agora, tranquilamente, em frente ao computador eu poderia dizer que eles poderiam ter efetuado um disparo em legítima defesa. Em tese, essa era uma opção razoável e legítima. Por que não fizeram? Essa é a questão principal, a mais importante. Eu tenho minhas teses. Uma delas é de que somos bombardeados por ensinamentos de que só devemos atirar em último caso, que o uso da arma de fogo é excepcional, que seremos processados se cometermos excesso, que temos que respeitar os direitos humanos, que devemos ser peritos em defesa pessoal, etc., etc., etc.,. De tanto ouvirmos esses ensinamentos, nossa mente assimila: “Não atire! Não atire!” Fica no subconsciente.

Às vezes, acho que somos formados a ter medo de sermos processados, de figuramos como indiciados em IPMs ou sindicados em procedimentos administrativos. Não podemos ter medo. Faz parte da profissão, e a formação deveria ser para que o aluno assimilasse que figurar como acusado em IPMs ou Sindicâncias é inerente à profissão, e que não se pode temer tais procedimentos. Se for para usar a arma, que se faça. Não tema as consequências. O uso da força faz parte da profissão. Senão, deveríamos trabalhar desarmados.

Creio que eu e vocês leitores temos muitas histórias de casos semelhantes, em que passamos por situações de dificuldade, tendo muitas vezes que atracar com cidadãos infratores; como diz a gíria, “entrar pra dentro”. Em muitas ocorrências já tive que “entrar pra dentro”. Quando dá para usar as técnicas de defesa pessoal, a gente usa, mas nem sempre é possível. E aquelas técnicas de torcer o dedinho, pegar na mão e virar, não funcionam. É melhor aplicar um "mata leão" ou desferir tonfadas que resolve o problema, ou senão “sentar o dedo”. No serviço operacional, quando “o bicho pega”, não há lugar para frescuras.

No caso concreto, acho que um kit de munição química fez muita falta. Na verdade, toda guarnição deveria ser equipada com um kit de munição química, e deveria ser pago para cada policial um espargidor de gás de pimenta. Ainda falta muita coisa, não é... Todos sabemos que falta.

Não vou falar mais sobre o assunto. Eu quero saber a opinião de vocês, e peço que tenham discernimento e comedimento ao comentar, evitando palavras de baixo calão, ofensas, expressões depreciativas, etc. Lembrem que o fato aconteceu com nossos companheiros, e que a crítica deve ser construtiva, para que situações como essa não continuem a acontecer. O espaço está aberto para quem quiser comentar ou contar suas histórias.

terça-feira, 12 de maio de 2009

GO do Leles nas ruas, infratores na cadeia!

Se você trabalhar, acontece. Se você trabalhar, o resultado positivo acontece. Grandes apreensões, importantes prisões, redução nos índices de criminalidade. Mas, se você trabalhar, também acontece. Indiciamento em inquéritos, acusações em procedimentos administrativos, atraso na promoção, quiçá uma prisão em flagrante. Positiva e negativamente, se você trabalhar, acontece. É como dizem: o policial (que trabalha) está com um pé na cadeia e o outro na cova.

Um exemplo real do que acabei de falar é a vida profissional do nosso companheiro Leles (observação: para os infratores, Alemão). Ele tinha tudo para ser desmotivado. Tudo. Está há anos “agarrado”, esperando uma decisão judicial para ter o que ele merece de fato e de direito.  Mas,  apesar de tudo, e para azar dos vagabundos, sobra-lhe disposição e competência. Ele é aquele tipo de profissional nato, vocacionado. Nada nem ninguém o desmotiva. Se ele não fosse policial, eu não sei o que ele seria. Eu só o imagino sendo policial.

Só Deus sabe o quanto eu gostaria de vê-lo com as duas divisas reluzentes nas mangas da gandola. Sabe por quê? Porque ele merece, simplesmente, porque ele merece. E porque tem competência, e tem disposição. E porque trabalha muito, e ama o que faz, e faz com prazer.

Eu não vou afirmar que “só é punido quem trabalha”. Algumas vezes, quem não trabalha também é punido. Mas, com certeza, quem trabalha está mais susceptível de ser punido.

Também não vou afirmar que o sistema “só contempla quem não faz”. O sistema contempla quem faz, é inegável. O Leles deve ter uma centena de recompensas em sua ficha; nada mais do que o merecido.

Com o Leles não existe “tempo ruim”. É vinte quatro horas por dia no encalço dos vagabundos. Eu acho que até dormindo, em seus sonhos, ele manda os bandidos para trás das grades.

GO do Leles nas ruas, infratores na cadeia!

Nota: Se você é vagabundo, corre, e corre muito, porque a equipe dele está chegando taticamente para lhe colocar num lugar onde o sol nasce quadrado.

terça-feira, 17 de março de 2009

Se não há crime, por que prender?

Fato hipotético: O miliciano envolve-se em ocorrência de troca de tiros; em legítima defesa, ofende a integridade física de alguém. É lavrado auto de resistência devidamente assinado por duas testemunhas e o respectivo boletim de ocorrência. Pergunto: O miliciano deve ser preso? É legal a prisão do miliciano?

A resposta é individual, cada um tem a sua. Eu vou dar a minha opinião, conforme me garante a Constituição Federal.

À primeira vista, vislumbra-se no fato narrado o crime de lesão corporal. Entretanto, os Códigos Penais, tanto o comum quanto o militar, são claros em afirmar que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal e no exercício regular do direito, ou seja, dentro das excludentes de ilicitude. Repito, não há crime!

Pois bem, agora um pouco de Direito Administrativo. São atributos do ato administrativo: Presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e autoexecutoriedade. Em outras palavras, o ato administrativo é legítimo até prova em contrário. Explico melhor.

Os tiros disparados pelo miliciano constituem-se num ato administrativo. Se é um ato administrativo, praticado dentro da forma estabelecida, presume-se que seja legítimo, ou melhor, que ocorreu dentro da legalidade.

Bom, se está dentro da legalidade agir em legítima defesa, até porque foi lavrado o respectivo auto de resistência, consoante determinam o Código Penal Comum e o Código Penal Militar, está caracterizado que NÃO há crime, até prova em contrário. E mais, quem deve produzir a prova em contrário deve ser a pessoa ofendida, e não a administração. O ônus de provar que o ato é ILEGÍTIMO cabe à pessoa que se sentir ofendida. O ato administrativo dos disparos efetuados pelo miliciano, até prova em contrário, foi legal.

Se o ato administrativo foi legal e, por consequência, exclui-se o crime, por que prender o miliciano? No meu ponto de vista, não há motivo razoável para efetuar a prisão, de tirar a liberdade, de tirar do seio familiar um profissional que a todo momento tem que decidir entre matar ou morrer. Infelizmente, o uso da força, letal ou não, é inerente à profissão.

Se não for garantido ao miliciano o direito de liberdade quando agir dentro das excludentes de ilicitude, não vai ficar ninguém na rua para proteger a sociedade. Reflita comigo. Quando o miliciano prende alguém, em tese, ele está cometendo os crimes de constrangimento ilegal, cárcere privado, sequestro, entre outros. Então o miliciano teria que ser preso? Não, como falei, ele agiu dentro das excludentes de ilicitude, no caso, dentro do exercício regular do direito e no estrito cumprimento do dever legal. Pelos Códigos de Processos Penais, é dever do miliciano prender quem quer seja encontrado em flagrante delito. Agora imagine se toda vez que um policial prender alguém ele também for preso... Difícil, né...

Do mesmo modo, se o uso da força e da arma de fogo ocorreu conforme prescreve a legislação penal, na minha opinião, não há motivo para se lavrar o APF do miliciano, tirando-lhe a liberdade e lhe trancafiando como se ele fosse um criminoso. Já disse, mas não custa nada repetir, o uso da força é inerente à profissão policial.

Talvez eu tenha falado um monte de besteiras, mas é a minha opinião. Se você discorda, conteste-a. "Uma sociedade é livre na medida em que propicia o choque de opiniões e o confronto de ideias. Desses choques e confrontos nasce a Justiça e a Verdade, garantido o progresso e a auto-reforma dessa sociedade". - Stuart Mill

domingo, 8 de março de 2009

Windson, para os amigos. Hudson, para os pilas

No maior ponto de tráfico de drogas da cidade, todos estavam sob nosso jugo, todos com as mãos na cabeça, encostados na parede, quietos. Estávamos em inferioridade numérica, mas o apoio já vinha, e vinha voando baixo. Se não me engano, eu estava no CFS, fazendo estágio no Tático Móvel do então Cabo Miro, hoje, merecidamente, Sargento Miro, profissional velho de guerra, mas pronto para as mais intrépidas batalhas.

Enquanto revistávamos aquele monte de viciados e alguns traficantes, chegou a barca branca de listras vermelhas e azuis do Cabo Windson. A presença dele já provocou inquietação nos abordados. Widson, como era conhecido na caserna; Hudson, como era conhecido pelos vagabundos, era uma lenda na cidade. Ele já havia derrubado a cachanga de todos os criminosos residentes naquele município metropolitano. Era respeitado e temido.

- Nós estamos de boa, Hudson. - era essa frase a que mais se ouvia, a mais proferida pelos associados com o tráfico.

Não me lembro, mas devemos ter saído daquela boca-de-fumo com alguns viciados no xilindró da viatura.

Bom, mas não é sobre essa operação que quero falar; contei essa história apenas para narrar como conheci o Windson. Minha intenção é falar sobre os bons profissionais, a exemplo do Windson, que se dedicam dia e noite à Military Police, e que nem sempre tem a devida recompensa. Mas nem sei se eles querem ser recompensados. O Windson mesmo um dia, questionado sobre o porquê de ser tão operacional apesar de certas injustiças, respondeu: “Eu gosto de ver vagabundo atrás das grades, gosto de dar flagrante nesses pilantras.” A recompensa dele era essa. Para os idealistas, fácil de entender; para os racionais, difícil. Sim, difícil, porque há alguns dias vi um militar se orgulhando de ter ganhado duas medalhas de mérito. Fiquei pensando de qual forma ele ganhou as medalhas. Talvez fez por merecer, não sei, ele não me explicou. Também nem sei se o Windson já ganhou alguma medalha, só sei que ele merecia, pois sei que ele já trocou tiro com vagabundo, já se arriscou muitas vezes, pondo em risco a própria vida para o cumprimento da missão. Se aquele militar ganhou duas medalhas, o Windson merecia ter ganhado dez vezes mais.

No livro o “As setes virtudes do líder amoroso”, o padre Joãozinho diz que “o empreendedor é aquele que enxerga o invisível”, e que “o segredo do negócio é saber algo que ninguém mais sabe”. Windson é um desses empreendedores policiais, um daqueles que enxerga o que poucos veem. O segredo ele me ensinou e abriu-me a mente. O segredo da polícia é a informação, enxergar o invisível. Windson detém muito mais informações sobre o crime e sobre os criminosos da cidade do que a S2. É a S2 que busca informação com ele, e não o contrário.

Foi o Windson que tentou me ensinar a grampear os pilas por atacado, mas eu não aprendi, não tenho o tirocínio tão apurado quanto o dele. Ele parece farejar criminosos, armas e drogas. Ele desembarca da blazer e volta com um traficante grampeado e meio quilo de maconha apreendido. É impressionante, é uma lenda, assim como certos militares, ainda vivos, já viraram lenda na Unidade. Leles, Ermon, Francis, Aldair, Felix, Oprissus, etc. Oportunamente falo sobre eles.

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Milésimo de segundo, matar ou morrer


Ouça o conto no player acima ou leia abaixo

Lá estava o rapaz na minha frente, a uns dez metros de distância. Devia ter uns 18 anos o infeliz. Minha ponto quarenta estava apontada para seu tórax. O desgraçado não obedeceu a ordem de colocar as mãos na cabeça. Como um filme que se passa em câmera lenta, fui vendo-o colocar a mão para trás da cintura, como se fosse retirar algo de lá. Seria uma arma? Eu gritava para ele colocar as mãos na cabeça. O desgraçado não atendia. O meu organismo foi inundado por doses insólitas de adrenalina. Encostei o dedo na tecla do gatilho, era matar ou morrer.

Tudo parecia passar tão lentamente, talvez porque os pensamentos estivessem acelerados ao extremo. O Soldado Barros estava do meu lado. Talvez ele atirasse antes de mim, ou talvez estivesse esperando eu efetuar o primeiro disparo. No primeiro tiro que eu desse, ele provavelmente iria descarregar sua arma. Ele sempre foi um excelente companheiro de serviço. Era difícil encontrar policial com tamanha disposição. E, naquela época, eu também estava muito motivado. Perdi a conta de quantas vezes nós havíamos adentrado naquela favela sozinhos, só nós dois, incursionando por aqueles becos estreitos e fedorentos de esgoto a céu aberto. O nosso objetivo, pelo menos o meu, nem sempre era prender, pois eu preferia investigar, levantar informações sobre as bocas-de-fumo para depois dar o pulão certeiro e com supremacia de força. Eram incursões espiãs durante a madrugada, único horário que nos restava para combater o crime, pois, antes disso, éramos para-raios de conflitos sociais e familiares.

Num milésimo de segundo, apontei a arma para face do rapaz. Eu não costumava errar, ao menos não em alvos imóveis de papel. Mas a realidade era diferente, e eu decidi que era mais prudente voltar a alinhar a alça e a massa de mira para o tórax do infeliz, região do corpo de maior proporção. Na cabeça, bastaria um, no tórax, seriam necessários uns três disparos efetuados em rápida sequência, ou mais. Quando ele caísse, eu iria parar. O que eu não iria era dar chance para ele efetuar um disparo sequer, caso ele estivesse armado. Eu tinha família, gostava de viver e estava muito novo. O Soldado Barros, ainda mais novo do que eu, tinha namorada, para qual ele dizia que contava tudo que se passava nos nossos turnos de serviço. Sim, ele tinha que anunciar o serviço para a namorada, a Carolyn. De tanto ouvir nossas histórias, a Carolyn acabou ingressando também na Military Police.

O rapaz enfiou a mão no bolso de trás da calça. Eu não parava de gritar para ele colocar as mãos na cabeça. Ele tirou a mão do bolso. Meu dedo começou a pressionar a tecla do gatinho, momento em que percebi que ele havia pegado um papelote de cocaína. Soltei rápido a tecla do gatilho. Mais um milésimo de segundo e o desgraçado iria morrer perfurado tal qual uma peneira. Barros correu em direção do infeliz, enquanto este esfarinhava o pó branco pelo chão. Eu corri também. Barros nem precisou de minha ajuda para, com força moderada, proporcional, conveniente, legal, etc,. jogar o rapaz no chão e algemá-lo.

Mas de nada adiantou seu esforço, pois não tínhamos prova suficiente para conduzir o infeliz do viciado para a delegacia. Barros não gostou nem um pouco de ter levado “chapéu”. Mas o serviço é assim, nem sempre a gente ganha... Depois de uma conversa muito produtiva que tivemos com o viciado, decidimos liberá-lo.

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Uma vela pra Deus e outra pro diabo

Uma vela pra Deus e outra pro diabo
 
    * José  Ricardo

O que esse safado tá fazendo aqui?, pensou o Sargento Moisés assim que entrou na igreja e viu o Carioca, traficante de drogas da Favela do Caldeirão. O sargento não estava acreditando naquele paradoxo. O safado acendia uma vela pra Deus e outra pro diabo. Errado. Há mais de dois mil anos, Jesus já dizia que não era possível servir a dois senhores. Ou se servia à Deus, ou se servia ao diabo. Quem vende ilegalmente uma substância que vicia, que arruína famílias e que mata, e mata muito, direta e indiretamente, não poderia jamais servir à Deus. Que dilema; o que uma pessoa dessas poderia estar fazendo numa igreja, na casa de Deus. Hipócrita. O sargento avançou pelo corredor da igreja. Henrique olhou para trás. O olhar dos dois se cruzaram. O traficante identificou o sargento e voltou a olhar para frente, fingindo que não o tinha visto ou que não o conhecia. O sargento continuou olhando o traficante de soslaio e depois sentou-se; passou a missa toda pensando em como uma pessoa poderia ser tão hipócrita. Era uma manhã de um domingo ensolarado. Moisés trabalharia à noite. 
Já em casa, o sargento não conseguira tirar da cabeça a cena do traficante na igreja. O dia foi passando, a noite chegou. Moisés se arrumou, pegou um ônibus, chegou ao quartel, equipou-se, assumiu a viatura e, junto com o Cabo Wilson, foi para as ruas prender vagabundo. Já na primeira abordagem, os dois militares acharam três papelotes de crack dentro da boca de um usuário. 
- Onde você comprou essa porcaria!? 
- Não posso falar, senhor. Os cara lá em cima me mata. - Ah, então você comprou lá em cima, na Favela do Caldeirão. - O usuário ficou calado. 
- Fala! Pode falar! Eu já sei até quem te vendeu. Foi o Carioca, não foi? Fala! Foi ou não foi!? 
- Eu não posso falar, senhor. 
- É um rapaz negro, com uma tatuagem de um caixão no braço, não é!? - O usuário balançou a cabeça, em sinal de concordância. - Wilson, chama no rádio aí mais uma viatura pra gente ir lá pegar o safado. É hoje que nós vamos grampear o Carioca! 
- Eu não vou lá não, senhor - ponderou o usuário. 
- Vai lá sim! Quem falou que você pode escolher. Quando a gente chegar lá, você tampa o rosto com sua blusa e abaixa a cabeça. Pode ficar tranqüilo que ninguém vai te ver. 
Assim que a outra guarnição chegou, os valorosos militares se dirigiram para a Favela do Caldeirão, especificamente para o Bar Esquinão, de propriedade do Carioca. Os policiais já tinham conhecimento de que Carioca traficava drogas em seu bar, mas o difícil não era saber, era dar o flagrante com provas suficientes para a lavratura do APF - Auto de Prisão em Flagrante. 
Alguns circunstantes que estavam próximos ao bar foram saindo despistadamente quando viram as viaturas se aproximando em alta velocidade, com os faróis apagados, mas ninguém conseguiu fugir. Os militares chegaram com energia, com sempre faziam. Ação vigorosa, rapidez. Desembarcaram, entraram no bar, gritando: 
- Abordagem policial! Todo mundo com a mão na cabeça! Rápido! Rápido! 
O sargento imediatamente dirigiu-se para o balcão do bar, onde encontrava-se o Carioca. Este tentou esconder uma porção de papelotes de plástico contendo entorpecentes, mas foi surpreendido pelo militar. 
- Larga isso aí! Coloca a mão na cabeça! 
- Os caras mandaram eu guardar isso pra eles e correram pro beco. 
- A casa caiu. Não vem com desculpa que eu já sei de tudo. 
- Isso não é meu, não. Foi os cara que deixaram aqui e vazaram pro beco. 
- É meu então, né… A casa caiu, você perdeu! Vem cá pra fora. 
Farta quantidade de entorpecentes já embalada para a venda foi encontrada nas dependências internas do bar, sobretudo perto do balcão. Além do Carioca, dois freqüentadores do bar foram detidos por estarem portando pequena quantidade de maconha. 
Quando o sargento colocava o Carioca no xadrez da viatura, este disse: 
- Que isso, sargento. Eu te vejo direto na igreja. Você vai fazer isso comigo? 
- Eu nem sei o que você vai fazer na igreja. Você é um hipócrita. Eu não tô nem aí pra voçê! Você deveria é ter vergonha de entrar numa igreja. Acende uma vela pra Deus de dia e, à noite, outra pro diabo. - O sargentou virou-se para o Cabo Wilson e disse-lhe:
- Fecha a porta, tranca eles aí; vamos levar a turma toda pra delegacia!
 
Nota: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
 
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independetemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituiçaõ Federal.

O sorriso do mal

O sorriso do mal

    * José Ricardo

As duas viaturas, em deslocamento, emparelharam-se. O Sargento Moisés, comandante de uma delas, gritou para os militares da outra guarnição:
- Nós vamos chegar por um lado, e vocês, pelo outro. É pra jogar todo mundo na parede. Beleza?
O Cabo Werneck, comandante da outra guarnição, respondeu:
- Beleza beleza, sargento.
As duas viaturas se separaram; cada qual convergiu para uma rua, a fim de chegarem por lados opostos, cercando quem quisesse evadir do Bar da Esquina. Segundo denúncia anônima, quatro indivíduos estariam consumindo entorpecentes nesse bar. A averiguação de denúncias como essa era rotina para os militares, motivo pelo qual o planejamento foi simples: cercar as saídas e revistar todo mundo. Claro que tudo dentro das técnicas policiais e de acordo com os direitos humanos.
Dirigindo-se para o local, o sargento se preparava. Fez uma inspeção visual na arma e disse para o patrulheiro:
- É pra chegar com energia, beleza?
- Beleza, sargento.
As viaturas, simultaneamente, chegaram defronte ao bar, cada qual por um lado, surpreendendo os circunstantes e não dando chance para qualquer tentativa de fuga. De dentro da viatura, o sargento determinou para os clientes que estavam na entrada do bar:
- Abordagem policial! Todo mundo coloca a mão na cabeça e encosta na parede!
Rapidamente, os militares desembarcaram. Dois ficaram do lado de fora do bar monitorando os clientes, e os outros adentraram no estabelecimento.
- Abaixa o som!- determinou o sargento para o dono do bar. - É uma abordagem policial! Todo mundo saia do bar com a mão na cabeça! As mulheres também!
Nesse momento, enquanto os clientes iam saindo, um rapaz despistou e tentou entrar no banheiro. O Cabo Werneck percebeu a movimentação e gritou:
- Foge não! Volta aqui! Põe a mão na cabeça!
O rapaz, numa tentativa derradeira, jogou um invólucro de plástico no chão. Werneck pegou o invólucro e constatou que se tratava de um papelote contendo uma substância semelhante à cocaína.
- Isto é seu? - perguntou o cabo.
- Eu sou usuário, senhor. Eu sou trabalhador.
- Continua com a mão na cabeça e vai pra fora da bar.
Quando ambos chegaram do lado de fora do estabelecimento, o Cabo disse ao sargento:
- O cidadão aqui tentou dispensar este papelote.
- Fernando, grampeia ele - determinou o sargento para o Soldado Fernando, patrulheiro de sua guarnição.
No momento em que algemava o usuário, Fernando disse-lhe:
- Você está sendo preso por trazer consigo substância semelhante à cocaína. Vamos te conduzir pra delegacia de Lagoa Azul.
- Me prende, não, doutor. Me prende, não. Eu sou trabalhador. Eu não sou traficante, não. Nó… Se minha mulher souber disso…
- Pensasse nisso antes. Você tá financiado o tráfico e quer que eu não te prenda. Pra mim, você é tão criminoso quanto qualquer traficante. É você que municia eles.
- Coloca ele no banco de trás da viatura - determinou o sargento.
- Me prende não, sargento. Me prende não. Eu sou trabalhador.
O sargento fingiu que nem ouviu. O usuário que se danasse. Era ele quem municiava os soldados do tráfico. Ainda estava tendo sorte por estar sendo conduzido no banco de trás da viatura. Se não fosse pelos direitos humanos, ele iria era no porta-malas.
Terminada a revista nos clientes e não sendo encontrada nenhuma outra substância aparentemente ilícita, o sargento tratou de qualificar duas testemunhas. Depois disso, agradeceu os militares da outra guarnição:
- Beleza, gente. Obrigado pelo apoio.
- Beleza beleza. Se precisar, estamos aí - respondeu o Cabo Werneck.
Os militares embarcaram nas viatura e saíram do local. A guarnição do cabo Werneck retornou ao patrulhamento normal; a do sargento, deslocou em direção à delegacia com o conduzido.
Durante o deslocamento, o usuáro começou a chorar. Apesar de surpreso, o sargento ficou indiferente ao choro. Você está financiando a morte de policiais e de pessoas inocentes. Você que se dane, pensou.
Quando chegaram à delegacia, um traficante, que aguardava para ser autuado em flagrante, viu o usuário chorando e começou a rir.
- Que foi, véio - perguntou o traficante, em tom de deboche.
- Os homi me pegaram com pó - respondeu o usuário, em meio a soluços e lágrimas.
O traficante, com sorriso no rosto, ficou olhando para o usuário. Na verdade, quem deveria estar chorando era o traficante, pois era ele quem seria autuado e ficaria atrás das grades até que um juiz expedisse um alvará de soltura. Mas não; a cadeia não era nenhuma novidade para ele. Sabia que seria somente uma temporada; talvez curta. O palhaço tá chorando. Panaca!, pensava o traficante.
O sargento percebeu o escárnio no rosto do traficante.
- Pára de rir! Tem algum palhaço aqui?
O sargentou virou-se para o usuário e disse-lhe:
- Tá vendo. O traficante tá é rindo da sua cara. Ele não tá nem aí pra você. Enxuga esse rosto! Vai, enxuga logo!
- Eu sou trabalhador, sargento. Eu sou trabalhador.
 
Nota: Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.
 
“É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independetemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituiçaõ Federal.

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