sábado, 21 de fevereiro de 2009

Milésimo de segundo, matar ou morrer


Ouça o conto no player acima ou leia abaixo

Lá estava o rapaz na minha frente, a uns dez metros de distância. Devia ter uns 18 anos o infeliz. Minha ponto quarenta estava apontada para seu tórax. O desgraçado não obedeceu a ordem de colocar as mãos na cabeça. Como um filme que se passa em câmera lenta, fui vendo-o colocar a mão para trás da cintura, como se fosse retirar algo de lá. Seria uma arma? Eu gritava para ele colocar as mãos na cabeça. O desgraçado não atendia. O meu organismo foi inundado por doses insólitas de adrenalina. Encostei o dedo na tecla do gatilho, era matar ou morrer.

Tudo parecia passar tão lentamente, talvez porque os pensamentos estivessem acelerados ao extremo. O Soldado Barros estava do meu lado. Talvez ele atirasse antes de mim, ou talvez estivesse esperando eu efetuar o primeiro disparo. No primeiro tiro que eu desse, ele provavelmente iria descarregar sua arma. Ele sempre foi um excelente companheiro de serviço. Era difícil encontrar policial com tamanha disposição. E, naquela época, eu também estava muito motivado. Perdi a conta de quantas vezes nós havíamos adentrado naquela favela sozinhos, só nós dois, incursionando por aqueles becos estreitos e fedorentos de esgoto a céu aberto. O nosso objetivo, pelo menos o meu, nem sempre era prender, pois eu preferia investigar, levantar informações sobre as bocas-de-fumo para depois dar o pulão certeiro e com supremacia de força. Eram incursões espiãs durante a madrugada, único horário que nos restava para combater o crime, pois, antes disso, éramos para-raios de conflitos sociais e familiares.

Num milésimo de segundo, apontei a arma para face do rapaz. Eu não costumava errar, ao menos não em alvos imóveis de papel. Mas a realidade era diferente, e eu decidi que era mais prudente voltar a alinhar a alça e a massa de mira para o tórax do infeliz, região do corpo de maior proporção. Na cabeça, bastaria um, no tórax, seriam necessários uns três disparos efetuados em rápida sequência, ou mais. Quando ele caísse, eu iria parar. O que eu não iria era dar chance para ele efetuar um disparo sequer, caso ele estivesse armado. Eu tinha família, gostava de viver e estava muito novo. O Soldado Barros, ainda mais novo do que eu, tinha namorada, para qual ele dizia que contava tudo que se passava nos nossos turnos de serviço. Sim, ele tinha que anunciar o serviço para a namorada, a Carolyn. De tanto ouvir nossas histórias, a Carolyn acabou ingressando também na Military Police.

O rapaz enfiou a mão no bolso de trás da calça. Eu não parava de gritar para ele colocar as mãos na cabeça. Ele tirou a mão do bolso. Meu dedo começou a pressionar a tecla do gatinho, momento em que percebi que ele havia pegado um papelote de cocaína. Soltei rápido a tecla do gatilho. Mais um milésimo de segundo e o desgraçado iria morrer perfurado tal qual uma peneira. Barros correu em direção do infeliz, enquanto este esfarinhava o pó branco pelo chão. Eu corri também. Barros nem precisou de minha ajuda para, com força moderada, proporcional, conveniente, legal, etc,. jogar o rapaz no chão e algemá-lo.

Mas de nada adiantou seu esforço, pois não tínhamos prova suficiente para conduzir o infeliz do viciado para a delegacia. Barros não gostou nem um pouco de ter levado “chapéu”. Mas o serviço é assim, nem sempre a gente ganha... Depois de uma conversa muito produtiva que tivemos com o viciado, decidimos liberá-lo.

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

13 comentários:

  1. interessante...esse viciado para mim , está mais para um M5. é nessas horas que o "côro" come!

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  2. extremamente sensacional, pude viajar em situações que viveniei na realidade, onde o profissional de segurança, tem frações de segundo para decidir oque fazer, parabéns meu amigo JOSÉ RICARDO, é cada vz mais confirmado o prazer de acompanhar esse blog.
    sgt filipino

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  3. José Ricardo, quanto ao podcast eu uso um plugin para wordpress chamado PODPRESS.

    E só envir o aúdio que ele faz o play sozinho.

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  4. OBRIGADO PELO COMENTARIO POSTADO...É SEMPRE IMPORTANTE RECEBE-LO EM MINHA PAGINA...SEJA SEMPRE BEM VINDO JOSÉ RICARDO...
    UM FORTE ABRAÇO
    FILIPINO
    http://sgtpmespfilipino.blogspot.com/

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  5. essa é uma situaçao complicada que o policial tem milesimos de segundos para decidir o que fazer e a justiça tem anos para decidir se a açao foi legitima ou nao

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  6. Não conhecia o seu blog e fiquei conhecendo através de um link. Gostei do conteúdo e pretendo voltar. Parabéns.

    Bjs,

    Roberta Trindade
    http://robertatrindade.wordpress.com

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  7. Ser policial não é fácil. Temos que pensar muito rápido e em uma situação como essa a adrenalina sobe, e a decisão de apertar a tecla do gatilho tem que ser muito conciente ou o policial poderá responder por um crime. Crime? Será crime o policial agir em legítima defesa ou no estrito cumprimento do dever legal? Por esses e outros motivos ser policial não é fácil.

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  8. É EXATAMENTE PELO RELATADO ACIMA QUE A PROFISSÃO POLICIAL EXCITA A TANTOS, OU POSITIVAMENTE OU NEGATIVAMENTE; EM QUESTÕES DE SEGUNDOS O POLICIAL TEM QUE DECIDIR PELO USO MÁXIMO DA FORÇA, DO CONTRÁRIO PERDER A PRÓPRIA VIDA OU TERCEIROS; ORGULHEM-SE DE FAZER PARTE DE UMA DAS MELHORES E TALVEZ GRATIFICANTES PROFISSÕES QUE EXISTA( PELO MENOS PARA OS PRÓPRIOS PM E PC'S

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  9. Deja-vu, parecia eu contando. Aconteceu isso comigo a um ano atrás.

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  10. José ricardo,há pouco tempo entro no seu blog e estou gostando muito. Parabéns pelas historias,sempre leio,rsrs.

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  11. nosa vc é um otimo escritor parabens, parece mesmo um drama polcial, vc é muito criativo, sempre serei o seu fã, na sua narrativa

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  12. um dia fomos chamados por um casal que havia acabado de ser assaltados por dois elemento com uma pistola. claro que nos acreditamos e fomos na captura dos elementos ao avistarmos os mesmo abordamos os como se estivessem com uma pistola e que poderia atirar contra a guarnição mas graças a Deus eles não reagiram depois de dominados vimos que se tratava de uma gaita (realejo) na mão do individuo.

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  13. Poxa, agora que estou de férias posso relaxar e ler histórias como essa, sensacionais.

    Concordo com a decisão de "liberar" o viciado. Nossas cadeias não tem lugar pros mais perigosos, e vamos entupi-las ainda mais com pés de chinelos?

    Por isso que digo, o PM na ponta da linha é o primeiro "Juiz" da causa". Mas... está na RUA, não em gabinete com ar condicionado, com assessores fazendo o trabalho e eles só assinando pilhas de papel. E a decisão, certa ou errada, é em milionésimos de segundo mesmo.

    Eu mesmo não sou PM, sou Oficial R/2 do Exército e nem estou na ativa mais, mas já passei por isso umas 2 ou 3 vezes na vida. E só quem passou é que entende.

    Estudante (e depois formados) criado a base de leite com pera e Ovomaltino feito pela avó, que NUNCA passou por isso nem em VIDEOGAME, JAMAIS entenderá isso, por mais que expliquemos a eles. Sempre dirão, PM assassina, fascista, lalalá mimimi...

    Médico erra, mata, ninguém fica sabendo, de bouas.

    Engenheiro erra, barragem desmorona, mata um cado e soterra uma cidade, de bouas, dá nada não.

    Mas o "pobre diabo" do PM, quando acerta, não recebe nem um muito obrigado, e muitas vezes ainda é criticado. Mas quando erra...

    Eu particularmente entendo e aceito erros provocados por medo, por sentimento de auto-preservação, por desejo de voltar pra casa e ver a família depois do turno de serviço.

    Só não tolero abusos provocados por desvios de caráter, o que todos aqui devem pensar também.

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