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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O direito de "sentar"

* Sargento Carvalho

Dois fatos recentes chamaram minha atenção. Ambos tinham como pano de fundo as mesmas características: sexo, drogas/bebidas, menores de idade e intervenção policial inócua.

O primeiro aconteceu quando a incansável Polícia Militar de Minas Gerais foi convocada pela comunidade ordeira da Cidade de Santa Luzia, a fim de averiguar a regularidade de “evento cultural” denominado “Baile Funk”, que estaria sendo patrocinado por traficantes locais. Terminada a diligência policial, contabilizou-se a apreensão de várias porções de maconha e cocaína, além da condução de 28 (vinte e oito) pessoas para a delegacia, dentre as quais 13(treze) mulheres. Dessas mulheres, 03(três) são menores de idade. Conforme o sargento que comandou a operação, também foram encontrados diversos preservativos usados no local do evento.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Você é um POLICIAL SÓLIDO ou um POLICIAL LÍQUIDO?

Ilustre companheiro, não se apresse em responder esta pergunta. Antes, conceda-me alguns minutos do seu precioso tempo e leia este texto até o fim, para depois dar cabo da indagação.

O sólido e o líquido são opostos. É da natureza do líquido se adaptar às mudanças, adquirir novas formas, contornar obstáculos e se misturar a outras substâncias. Por outro lado, o sólido raramente se mistura e possui enorme dificuldade de mudar de forma sem perder conteúdo.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

ATO DE BRAVURA


Uma guarnição policial composta por quatro militares fazia patrulhamento pelas ruas de Belo Horizonte/MG. Era madrugada e chovia muito. Uma senhora aciona os milicianos e relata que um prédio está na iminência de desabar. Os agentes do Estado entram no edifício, acordam todos os moradores e os retiram para fora do prédio. Dentre essas pessoas, havia duas crianças que estavam trancadas num dos apartamentos. Após arrombarem a porta, os militares também conseguiram retirar as crianças do edifício. A construção se transformou em ruínas alguns segundos após todos saírem.
Esse fato é verídico. Ocorreu no início deste ano de 2012. Para muitas pessoas, a ação rápida e precisa dos policiais foi um milagre. Os mais céticos talvez afirmem que foi mero cumprimento do dever funcional. Há quem diga, pasmem, que foi sorte. Mas a melhor definição (ou pelo menos a mais racional) para o que fizeram esses nobres militares é ATO DE BRAVURA.
O Ato de bravura está previsto na legislação militar mineira como uma das hipóteses de promoção na carreira. Consuma-se quando o militar pratica uma ação, de maneira consciente e voluntária, com evidente risco à própria vida, cujo mérito transcenda em valor, audácia e coragem a quaisquer atitudes de natureza negativa porventura cometidas .
Nesse sentido, promover os policiais que salvaram mais de uma dezena de pessoas; que não tiveram suas próprias vidas interrompidas prematuramente por frações de minuto não é mera concessão de recompensa. A promoção dos militares é um direito que eles fizeram jus no exato momento em que cumpriram, com extremo brilhantismo, os requisitos legais.
Portanto, há dois motivos para se comemorar neste episódio. Primeiro, a preservação da vida de diversos cidadãos, com repercussão positiva em âmbito nacional, enaltecendo a imagem da PMMG. Segundo, a decisão do comando da nossa instituição, que em prazo célere já aprovou a promoção dos quatro militares que praticaram o citado ATO DE BRAVURA.
Parabéns à Polícia Militar de Minas Gerais, sobretudo aos insignes 1º Tenente Gustavo Martins e Cabos Sheyla Cristina, Samuel dos santos e Marcelo Silva.

*Nivaldo de Carvalho Júnior, 2º Sgt da PMMG e bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas

domingo, 8 de janeiro de 2012

Prisão de policial militar em serviço II

Prisão de policial militar em serviço
* Sargento Nivaldo de Carvalho Júnior

Há alguns meses foi publicado um texto de minha autoria, no qual fomentei uma discussão sobre a prisão de policiais militares em serviço. O objetivo precípuo do debate era questionar a necessidade de encarceramento de policiais que cometem crimes, em tese, escudados nas causas de excludentes de ilicitude ou culpabilidade previstas na legislação penal.

Sabe-se que a regra era fazer a autuação em flagrante do policial militar e recolhê-lo à prisão até que um juiz de direito analisasse o caso para decidir se houve excludente de ilicitude. Eu disse “era” porque esta não é mais a regra, pelo menos no Estado de Minas Gerais.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Prisão de Policial Militar em Serviço

* Sargento Nivaldo de Carvalho Júnior

Há alguns dias, uma guarnição policial militar foi empenhada em uma ocorrência de disparo de arma de fogo em via pública. No local dos fatos, os militares avistaram vários indivíduos correndo. A equipe fez a incursão em um beco, momento em que um soldado deparou com um infrator portando um revólver. O soldado determinou que o criminoso largasse o objeto ilícito, mas pelo contrário este apontou a arma em direção ao agente do Estado, que por sua vez efetuou disparos em sua própria defesa. O infrator foi neutralizado e socorrido para o hospital, onde constatou-se que ele não corria risco de morrer, pois os projéteis acertaram a perna e o braço. Ao cabo da operação policial, contabilizou-se a prisão de um homem e apreensão de dois adolescentes; além da apreensão de duas armas de fogo e farta quantidade de substâncias entorpecentes.

Em virtude desse fato, foram lavradas duas ocorrências policiais. A primeira relatando a prisão dos civis. A segunda relatando a prisão do soldado que utilizou seu instrumento de trabalho (arma de fogo) para salvar sua própria vida.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Fim de Jogo

* Sargento Nivaldo de Carvalho Júnior

O sistema de segurança pública assemelha-se a um campeonato de futebol. Ambos envolvem bastante dinheiro, geram muita repercussão na mídia, constituem motivos de fervorosas discussões cotidianas e são examinados por meio de demasiadas estatísticas. Por isso, faço uma análise metafórica sobre esses temas.

Os nossos estádios (comunidades) são bastante precários, mas palco de grandes espetáculos(crimes e prisões). Nosso campeonato tem vários times(Polícia Federal, Polícia Militar, Polícia Civil, Agentes Penitenciários, Guardas-Municipais, baderneiros, trombadinhas, bandidos pé-de-chinelo, traficantes, assaltantes, corja do colarinho branco etc) os quais disputam ferrenhamente jogos memoráveis.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

O CANTO DA SEREIA

* Nivaldo de Carvalho Júnior

Todos nós, policiais, sabemos que a profissão que abraçamos é bastante complexa. Também estamos cientes que nossas atitudes em serviço, na maioria das vezes, permeiam o limiar entre o certo e o errado; entre o lícito e o ilícito; entre o justo e o injusto. Este texto visa chamar a atenção dos nobres colegas para uma congruência de fatores que nos leva a tender perigosamente para o lado nebuloso do aludido limiar.

Antes, porém, faço uma breve digressão para citar a passagem da mitologia grega conhecida como o “O CANTO DA SEREIA”.

domingo, 20 de junho de 2010

Angústia Cotidiana

* Nivaldo de Carvalho Júnior

Dias atrás me encontrei com o amigo José Ricardo (Sgt Monteiro), idealizador do Universo Policial, ocasião em que ele perguntou por que motivo eu não estava enviando mais textos para publicação neste blog. Com muita sinceridade, respondi que havia duas justificativas: falta de tempo (ando dividido entre atenção à família, trabalho operacional, encargos administrativos, faculdade etc) e falta de assunto (já que não participo mais de ocorrências policiais complexas como outrora).

No decorrer da conversa, falamos de assuntos corriqueiros relacionados à atividade policial, e o nobre companheiro, com sua inteligência singular, disse: "olha que tema bom para uma crônica." Neste instante, percebi que a correria do dia-a-dia estava me afastando daquilo que gosto: pensar e escrever.

Pois bem, decidi abordar fatos simples que presenciei, os quais demonstram claramente a angústia cotidiana que acomete as famílias brasileiras. Assim, resumo três ocorrências policiais atendidas por minha equipe.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A segunda pele

Autor: * Nivaldo de Carvalho Júnior, 3º Sgt PM

“A farda não é uma veste que se despe facilmente, mas sim uma segunda pele que adere à própria alma, irreversivelmente.”

Bastou que eu ouvisse essa frase apenas uma vez para que tais palavras encontrassem lugar cativo em minha memória. A assertiva foi declarada por um major da Polícia Militar de Minas Gerais, durante a cerimônia de encerramento de um curso de ações táticas que tive o privilégio de participar.

Antecederam-se a tal pronunciamento as congratulações para aqueles militares que foram aprovados, seguidas das recomendações sobre a conduta que deveríamos adotar em face da nossa nova missão: atuar em ZQC´s (Zonas Quentes de Criminalidade), com o intuito de combater o crime organizado.

domingo, 30 de agosto de 2009

A arte de errar

O dia 05 de outubro marcou o meu retorno à atividade operacional na Polícia Militar. Depois de passar 08 meses na área administrativa da corporação, voltei a exercer a principal missão de um miliciano, que é garantir a paz social. (Tomo a liberdade de fazer um aparte nesta crônica para registrar minha indignação, porque os termos “milícia” e “miliciano” estão sendo empregados indiscriminadamente para designar grupos armados que subjugam comunidades carentes, vendendo-lhes a segurança que compete ao poder público. Embora alguns policiais façam parte desses grupos de criminosos, não se pode chamar um bando que age à margem de lei de milícia, tampouco seus integrantes de milicianos. Na verdadeira acepção da palavra, milícia significa uma corporação sujeita à organização e disciplina militares. Logo, me orgulho de ser um miliciano).

Hei de reconhecer que minha breve passagem pelo serviço policial burocrático rendeu-me experiências úteis, as quais me fazem valorizar ainda mais o trabalho dos companheiros que preferem exercer a função administrativa a exporem-se aos riscos do combate aos criminosos.

O soldado ateu

Já estávamos no fim de mais uma jornada de trabalho. Passava-se das vinte e três horas de uma monótona segunda-feira, dia geralmente tranquilo no que tange à criminalidade violenta, cujo combate era nosso principal mister. Patrulhávamos o Bairro Nova Pampulha, numa região conhecida como “mangue seco”. Tal denominação não foi escolhida por acaso. As ruas do local eram todas de terra; parte delas intransitáveis, devido a enormes crateras provocadas pela voracidade das águas pluviais. Os lotes lindeiros lembravam a vegetação da caatinga. As residências eram construídas precariamente, a maioria delas não possuía reboco, o que contribuía para o aspecto desértico do local.

Neste cenário nada inspirador, ocorreu uma situação cômica, envolvendo uma guarnição do GIEAR (Grupo de Intervenção Estratégica em Áreas de Risco); mais precisamente aquela estava sob meu comando. Quando descíamos a rua vinte e cinco, uma das poucas que era possível percorrer embarcado na viatura, deparamos com um sujeito franzino, alto, moreno escuro (não é eufemismo, ele realmente não era negro), trajando roupas simples e empurrando uma bicicleta, a qual era tão velha que só servia mesmo pra empurrar.

sábado, 15 de agosto de 2009

Díficil decisão

O trabalho de um policial é extremamente difícil. Implica executar suas atividades sob intensa pressão, expor a risco a própria vida e tomar decisões que podem influenciar profundamente a vida das pessoas.

Aprendi esta assertiva quando ainda frequentava as salas de aula da Academia da Polícia Militar, nos idos anos de 2002 e 2003, época em que eu não tinha certeza se esta era a profissão que gostaria de exercer durante trinta anos da minha vida. Hoje já não tenho mais essa dúvida, pois gosto muito do serviço policial.

A cada jornada de trabalho, constato que as dificuldades ora mencionadas são verdadeiras e, além disso, mexem muito com o meu estado psicológico. Trabalhar sob pressão e ver a morte de perto diariamente já não me abalam muito. Por outro lado, as decisões que tenho que tomar constitui a parte mais complicada da minha profissão. Como exemplo disso, devo relatar um fato ocorrido com uma guarnição que estava sob meu comando.

No dia 05 de junho de 2006, estávamos realizando uma operação policial na entrada do bairro Morro Alto, quando abordamos um ônibus. Na ocasião, um dos passageiros foi preso porque usava um documento falso para isentar-se do pagamento da passagem. O motorista e o trocador do coletivo foram arrolados como testemunhas do fato e em seguida foram liberados para continuar a viagem.

Para minha surpresa, ao cadastrar a ocorrência no sistema informatizado, constatei que havia um mandado de prisão em desfavor de uma das testemunhas, o motorista, com base no artigo 121 do Código Penal Brasileiro (homicídio). Tal fato causou-me espanto, porque eu sabia que o motorista trabalhava na empresa havia muitos anos e até então ele gozava de boa credibilidade.

No entanto, o mínimo que eu deveria fazer como responsável pela aplicação da lei era questionar o cidadão sobre a acusação a ele imposta. Desloquei minha guarnição até a empresa onde ele trabalhava e esperamos o retorno do ônibus coletivo. Deparamos com um senhor de fala mansa, fisionomia pacata, vestido com o seu uniforme de trabalho. Ao ser perguntado sobre o mandado de prisão, ele negou veementemente ter motivos para tal, todavia seu olhar denunciava a mentira. Cogitou haver perdido seus documentos e possivelmente alguém tê-los usado para incriminá-lo. Assim, o convidei a me acompanhar até a delegacia para esclarecer a situação, alertando-o para o risco de ele ser preso em circunstância piores.

No trajeto para a delegacia, tratamos o motorista com seriedade e respeito. Por esse motivo, angariamos a sua confiança. Ele relatou-nos que há vinte anos havia sido acusado de ter assassinado um pistoleiro no Estado do Mato Grosso; que foi ouvido pelo delegado naquela época e liberado porque não havia provas contra ele. O suspeito nos afirmou também que resolveu deixar o Estado porque estava sendo ameaçado por parentes da vítima.

Perguntei se ele realmente havia matado o pistoleiro e o suspeito negou novamente, acrescentando que sempre foi trabalhador e desde que veio para Vespasiano labutava na mesma empresa e morava no mesmo endereço com a esposa e a filha deles.

Foi neste instante é que me vi diante daquilo que considero mais difícil na vida de um policial: tomar uma decisão que influenciaria profundamente a vida de uma pessoa. Evidentemente que pelo aspecto da legalidade eu deveria prendê-lo sem pestanejar, afinal havia um ordem judicial para tanto. Mas, por outro lado, num país onde impera a impunidade, onde ladrões de colarinho branco, traficantes de drogas e assassinos contumazes andam livremente pelas ruas porque conseguem driblar facilmente nosso arcaico sistema de persecução criminal, colocar aquele reconhecido trabalhador numa cadeia poderia significar um ato incoerente, considerando que ele estivesse falando a verdade sobre sua inocência.

De um lado, uma ordem judicial, do outro, a fala de um trabalhador. Pensei em liberar o motorista e orientá-lo a procurar um advogado para resolver a pendência na justiça. Resolvi não tomar a decisão sozinho, embora fosse minha competência.

Dada a palavra aos meus companheiros, fiquei ainda mais confuso. O Soldado Felipe entendia que deveríamos cumprir o mandado, sustentando: “afinal quem nos garante que esse homem é mesmo inocente”. Já o Cabo Araújo achou que era melhor “dar um boi” para o motorista, dizendo-me que sua experiência profissional o fazia acreditar na inocência dele.

Diante do impasse, reportei-me aos ordenamentos jurídicos e lembrei-me que o mandado de prisão preventiva não se extingue enquanto não for cumprido. Assim, mais cedo ou mais tarde, aquele senhor seria preso e talvez não recebesse o mesmo tratamento que estávamos lhe dando. Resolvi então cumprir o mandado e mostrar ao preso o que ele deveria fazer para esclarecer os fatos.

Já na Delegacia, apareceu uma senhora acompanhada de uma menina. Tratava-se, respectivamente, de esposa e filha do suspeito. Educadamente a senhora me pediu para conversar com o marido. A menina, já no colo de seu pai, me olhou com rancor. Parecia que ela já sabia o que iria acontecer com seu genitor e que eu era o responsável por ele estar ali. Escutei aquela senhora dizer: “Isso aconteceria a qualquer momento, meu amor”. Percebi que tudo que tínhamos conhecimento até aquele momento era verdade, com exceção das circunstâncias em que ocorreu o crime no qual aquele cidadão figurava como acusado.

A presença dos familiares do motorista na delegacia em consonância com emprego lícito que ele desempenhava realçaram minhas dúvidas acerca da decisão que adotei, o que foi desmistificado quando nós saíamos da delegacia e a esposa do detento me disse a seguinte frase: “ Obrigado, meu filho, por não ter judiado dele. Vai com Deus e que o Senhor Jesus abençoe o seu trabalho”. Tais palavras me mostraram que eu fui justo, como deve ser todo policial, porque apenas executei minha função e em momento algum tirei a dignidade daquele homem.

No retorno ao patrulhamento, o clima dentro da viatura não era de euforia, como ocorre quando prendemos um “vagabundo nato”. Ao comentarmos o caso do motorista, o Soldado Felipe disse que nada nesta vida acontece por acaso. Eu também acredito nisso.

Que seja feita a justiça; se não for a dos homens, que seja a divina.

Fim

Autor: Nivaldo de Carvalho Júnior, 3º Sgt PM - obra escrita em 08/06/2006

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Infância perdida

Eram 23 horas e 15 minutos da noite de sábado, 06 de maio de 2006. Patrulhávamos pelo bairro Nova Pampulha; na época, o mais perigoso da área de atuação do GIEAR (Grupo de Intervenção Estratégica em Área de Risco). Naquele lugar, naquele dia da semana e naquele horário estávamos mentalmente preparados para o pior – troca de tiros, homicídios, traficantes em fuga rumo aos becos estratégicos que ali existem, crianças e adolescentes usando entorpecentes, etc. Entretanto, o que aconteceu foi bem mais simples, mas não menos grave. Quando descíamos a rua dezoito, local onde é comum o confronto armado entre policiais e criminosos, uma mulher apareceu no meio da via. Os braços estendidos para o alto, sacudindo de um lado para o outro demonstravam desespero. A primeira ideia que nos vem à cabeça não poderia ser outra: mataram alguém. Entramos em estado de alerta. Todos com arma em punho. Os dedos indicadores coçavam o gatilho. Um simples estampido provocaria uma saraivada de tiros na direção do estrondo. Felizmente, nada disso ocorreu.

A aparência da mulher denunciava a vida sofrida que levara. A conversa arrastada e o hálito etílico que nos entorpecia deixava claro o estado de embriaguez. Em prantos, essa senhora nos pediu para buscar sua netinha de quatro anos que estaria sendo espancada pelo próprio pai da criança. Apesar da agressividade com a qual a mulher nos tratava, ficamos sensibilizados com a possibilidade dos fatos serem verdadeiros e decidimos verificar a situação.

Um beco estreito, íngreme, com degraus intermináveis, onde não se enxergava um palmo à sua frente. Este foi o local indicado pela senhora para buscarmos a criança. O Cabo Araújo (policial astuto, do tipo “vibrador”, que muitos colegas chamam de “bitolado”, aquele sujeito que suspeita de tudo e de todos) logo diz : - ô zim, isso é casinha de caboclo!

Para os desavisados “zim” é como chamamos uns aos outros dentro da favela para evitar falar nossos nomes, e “casinha de caboclo” é quando os vagabundos armam uma cilada para os policiais. A suspeita do Cabo Araújo era pertinente, mas o comandante da guarnição, Aspirante Martins, decidiu subir o beco. Eu permaneci na entrada, próximo à viatura policial, para monitorar a entrada no local e chamar reforço, caso fosse necessário. Em poucos instantes, a senhora desceu, já com a criança no colo. A menina era linda: rosto redondo, olhar meigo, cabelos lisos e negros, parecia uma índia. Seu nome era Isabela. Não havia nome mais apropriado, era realmente “bela”. No seu corpo franzino, não havia sinais de agressão. Perguntei-lhe se alguém a havia agredido. Os olhos daquele anjinho se encheram de lágrimas e ela respondeu que sim. Disse que seu próprio pai havia lhe batido, que sua mãe também lhe batia, que sua avó também lhe batia, mas que mesmo assim gostava de todos eles. Perguntei a ela com quem gostaria de ficar. Como uma inocência singular ela respondeu: com mamãe.

Meus colegas retornaram e disseram que o pai de Isabela estava drogado, em companhia de outros dependentes químicos. O barraco onde estavam parecia um chiqueiro. A criança brincava em meio à imundice do local. O pai insistia em ficar com a menina, alegando que sua ex-mulher era uma “puta” e a mãe desta uma “bebum”.

Chegamos à conclusão que não deveríamos deixar a criança nem com o pai (drogado) e tampouco com a avó (bêbada). Saímos, então, à procura da mãe de Isabela, seguindo as dicas da senhora que nos abordou.

- “Olha ela ali”, disse a avó, apontando para um boteco nefasto localizado na Rua Dezenove, ponto de encontro de viciados em drogas, assaltantes, homicidas e demais criminosos que compunham a escória da sociedade local.

Chamamos a mãe da menina. Ela relutou em nos obedecer, até ver que sua mãe e sua filha estavam dentro da viatura. Ao se aproximar aquela jovem, que parecia ainda estar iniciando a sua adolescência, percebi o quanto seria difícil solucionar aquela ocorrência.

A jovem transpirava rebeldia, dizia aos berros: “mãe, o que você está fazendo no carro da polícia com a minha filha”. O nosso comandante tentou explicar a situação, mas de nada adiantou. De tanto gritar, a jovem conseguiu tirar o Aspirante Martins do sério. Em um só gesto, ele puxou a jovem mãe pela gola da camisa e disse que ela devia nos agradecer por termos lhe trazido sua filha. A resposta da jovem não poderia ser mais revoltante: - “E quem disse que eu quero essa porra de menina agora, não vê que eu tô namorando.” Nesse momento, a moça sentiu a gola da camisa apertar seu pescoço. Isso foi a materialização da ira do nosso comandante. Com a voz já distorcida, ela desafiou: “Bate, sô puliça, bate até me matar seu covarde, é só isso que vocês sabem fazer mesmo”.

O comandante determinou: “abra o xadrez, vamos levar esta folgada pra delegacia”. Nesse momento, intervi: “É bobagem, chefe, não compensa. O problema mais grave, que é com quem ficará a menina, não será resolvido". Pensamos em acionar o Conselho Tutelar, mas, devido a experiências anteriores, desistimos. Nesses casos o conselheiro de plantão não vem, ou, se comparece, não resolve nada.

De súbito, veio em minha mente um velho ditado popular: “Deus, me dê coragem para modificar as coisas que posso, humildade para aceitar as que não posso e sabedoria para distinguir umas das outras”.

E assim convenci o comandante da guarnição a adotar a seguinte solução: dentre o pai drogado, a mãe vadia e a avó alcoólatra, naquele momento a criança deveria ficar com quem teve pelo menos a hombridade de nos pedir socorro.

O que me deixou muito triste foi pensar no que se transformará aquela princesinha chamada Isabela daqui a alguns anos...

Fim

Autor: Nivaldo de Carvalho Júnior, 3º Sgt PM - obra escrita em 07/05/2006

Nota: Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, fatos e lugares são frutos da imaginação do autor e usados de modo fictício. Qualquer semelhança com fatos reais ou qualquer pessoa, viva ou morta, é mera coincidência.

É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença” - Inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal.

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