O motor ruge e a viatura sai me permitindo sentir, mais uma vez, os efeitos da inércia. Sinto-os de forma praticamente imperceptível, pois o costume me deixa quase alheio a eles.
Saímos do quartel e um novo mundo, uma nova realidade se descortina à nossa volta. O rádio não pára de dar notícias de ocorrências de toda natureza: assaltos, furtos, brigas diversas, socorro a alguém ferido, perseguição a algum fugitivo; uma viatura pede o QCL (almoço ou lanche) enquanto, numa esquina qualquer, um PA (policial a pé) dá uma informação a alguém.
Por onde passamos somos alvos de olhares diversos: de aprovação e de reprovação, de desdém e de carinho, de ódio e de amor, de confiança e de temor; uns se alegram e outros se assustam conosco; uns, ainda, se sentem seguros e outros, infelizmente, não. A minoria, graças a DEUS.
Pelos guetos nos acostumamos com a miséria da mendicância e também com a sua imundície e mau cheiro. Pessoas há dias sem comer e, talvez, há anos sem tomar um banho sequer, a não ser o da chuva e, isso, quando não acham uma marquise ou um viaduto para se esconderem das águas provindas do céu. Com o tempo dá para sentir a sensibilidade se esvaindo aos poucos…
Nos semáforos os pedintes e vendedores nos evitam, assim como os bandidos e, enquanto ali estamos, eles não atuam…
Entramos na viatura sob os mais diversos tipos de olhares e, como se não fôssemos daquele mundo … Mas isso pouco ou nada nos importa. Estamos e estaremos sempre por ali, querendo eles ou não. No fundo, no fundo sabemos que, de uma forma ou de outra a nossa presença faz bem…
Chegamos ao topo da cadeia alimentar. Classe alta, um Mangabeiras da vida. Só a calçada das mansões é maior que o lote onde está meu “barraco”. Ruas desertas e nada de mendigos, prostitutas (pelo menos em seu tipo mais popular) ou camelos. … Basta um breve toque na sirene da viatura e algumas luzes das mansões se acendem e, em quase todos os portões ou guaritas dos muros, surgem brutamontes em ternos escuros para verificarem o que está havendo..., rs...
Quanta disparidade…
Resolvemos adentrar em alguma favela; uma mais tranquila, onde os traficantes ainda não dominaram (Em Belo Horizonte ainda temos favelas assim, pode acreditar!). Dizem que até o latido dos cães é diferente quando a gente chega. Será?!? Um foguete é solto, um assobio se ouve entre os becos. As vezes percebemos um ou mais vultos desaparecendo na penumbra de algum beco.
Paramos em algum ponto estratégico; um bar ou uma mercearia, padaria. Na maioria das vezes “ganhamos” um lanche. As crianças nos rodeiam com olhares brilhantes e fixos nos revólveres e demais armas; algumas mocinhas demonstram-se admiradas com a “farda”; os velhos vêm com as suas histórias da “polícia de antigamente” e, os adultos, na maioria, nos olham firme e friamente nos olhos; alguns, muito poucos, ainda esboçam um sorriso ou um aceno de cabeça. Eu, em particular, correspondo…
Estamos ali. Houve dias que não gostava de ser um PM, porém hoje amo isso. Estamos ali… Nós contra quase tudo e quase todos… Estamos ali… Vibrando e prontos a dar a resposta esperada, ou não, para a sociedade e para o “quarto poder”. Estamos ali e sempre estaremos… Sempre… Mesmo com toda a nossa limitação, todos sempre poderão contar conosco.
Às vezes, eu também sinto que nossa luta é contra quase tudo e quase todos. Mas não podemos deixar de dar a resposta esperada, porque a sociedade conta conosco.
ResponderExcluirExcelente texto, um verdadeira reflexão. Espero que o Senhor Tenente Jeremias possa nos honrar com mais uma obra-prima como esta.
Concordo com o comentário anterior. E apesar de toda as dificuldades para desenvolver nova atividade, devemos ter em mente que somos clientes de nos mesmos.
ResponderExcluirgostei do texto realmente corresponde a realidade que vivenciamos!!!parabens para o oficial pela sensibilidade!!!
ResponderExcluirgostei do texto realmente corresponde a realidade que vivenciamos!!!parabens para o oficial pela sensibilidade!!!
ResponderExcluirum dia, um amigo de farda me perguntou, sargento já pesou um dia sem á policia ? á resposta foi imediata tudo viraria um caús!
ResponderExcluirÉ CONFORTANTE SABER Q AINDA EXISTE SENSIBILIDADE EM UM POLICIAL MILITAR. E OLHOS ATENTOS PARA SENTIR O Q ACONTECE A SUA VOLTA.
ResponderExcluirGostaria de parabenizar primeiro pelo conteudo do texto e segundo pela sensibilidade e paixão pela profiçao.se tivesse mos uma policia inteira com esse gabarito, tinha nos um pais
ResponderExcluirbem melhor.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCivil, Militar, Bombeiros, Rodoviária, Federal, convencional, especializada, grupo tático. Até mesmo a, por vezes desmerecida, Guarda Municipal. Todas têm algo em comum: retiradas as exceções (os desvios de conduta, corrupção ou os que adentram a essas corporações APENAS pensando no salário, estabilidade ou "autoridade imposta", ao contrário daquela conquistada com o bom trabalho realizado, todas essas corporações - e outras que não citei, mas têm os mesmos objetivos - a defesa da sociedade) são irmãs, merecem respeito e admiração.
ResponderExcluirNão sou (ainda) policial, mas aproveito este espaço que há pouco tempo comecei a acompanhar para expressar meu respeito.
exelente. retra muito bem o dia a dia de um policial. policial este que muitas das vezes pouco valorizado. isso machuca e como machuca... ouvir pessoas ignorantes dizendo um monte de besteira como do tipo todo policial é corrupto, a policia só serve pra pegar gente de bem, policial covarde, a policia nunca esta quando se precisa...
ResponderExcluirtodos procurando um minimo de erro em nossas ações mesmo quando estamos de folga, como se eles fossem perfeitos... eu sei que não sou. Mas apesar de tudo isso temos que continuar nossa jornada porque pode ter certeza que vale a pena, como valeu hoje. Ao fazer um A20(vizita tranquilizadora) uma senhora me olhou com um olhar de agradecimento e logo em seguida me disse umas palavras que vão ficar marcadas "depois do fato que ocorreu aquele dia minha imagem da PM mudou completamente vcs dois (eu e meu companheiro)fizerão com que eu perdesse um trauma que tinha da policia. Me atenderam tão bem naquela dificil situação em que eu me encontrava, não sabia que a policia era tão educada e competente. Muito obrigada. Eu mais do que nunca disse o que sempre tenho o prazer em dizer "pode contar com a gente quando precisar". Uma mulher que tinha uma visão completamente errada por motivo que eu nem sei mas como foi bom ter a gratidão e o reconhecimento daquela senhora. Então companheiros não vamos abaixar a cabeça mesmo passando por tantas injustiças tanto pelos cidãos ou pelo nosso sintema enlouquecedor. Porque ainda vale a pena. Um só elogio desse me fez superar todas as tristezas dos chingamentos e má compreenção da sociedade. Vamos la sei que é dificil mas quem sabe um dia teremos mais pessoas como essa senhora que saiba dar valor a nossa farda e nossa vida.
eu nao gostei nao tem o dia que foi criado o dia do policial
ResponderExcluirparabens pelo comentario,muito criativo e real,retrata nosso dia a dia.tambem vivo isso na pele todos os dias,um abraço a todos os irmaos de farda,fiquem com DEUS,policial Ribeirao Preto
ResponderExcluirmuito bom otimo texto!!!
ResponderExcluirbastante real a narativa,parabens!!!
real mesmo o praça que o diga, de sd a st vivera esta realidade.
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